Embora a segurança jurídica sempre fosse de grande importância nos debates jurídicos, um grande valor a ser alcançado, nunca esteve tão em voga no cenário nacional como nos últimos tempos. Não por acaso, entretanto, que o tema vem sendo bastante enfrentado pelas cortes superiores. Isso se dá, em muito, em razão do crescente aumento das diversidades nas relações jurídicas, fenômeno que importa no aumento das demandas judiciais, tendo por consequência a prolação de diversas decisões sobre a mesma matéria, que nem sempre seguem a mesma linha de entendimento. A solução jurídica, então, passa a ter íntima relação com o entendimento do julgador, que, não raro, pode ser contrário daquele dado pelo tribunal/corte hierarquicamente superior.
Diante de tal panorama, logo, surge a necessidade de dar maior estabilidade e previsibilidade às decisões judiciais, reconhecendo, em um sistema civil law, a lei como fonte principal de direito. Parte-se, então, de um comando geral e abstrato, em que o intérprete (juiz) extrai a norma jurídica a ser aplicada no caso concreto. Como o método interpretativo diverge entre os tantos operadores do direito, é comum que as decisões também divirjam.
No típico sistema common law, diferentemente, os precedentes judiciais passam a ser a principal fonte de direito, em que a solução do litígio é encontrada em uma fonte concreta (caso concreto), o que acaba, por consequência, garantindo uma maior confiabilidade da decisão (estabilidade e previsibilidade), pressuposto fundamental da segurança jurídica.
Precedente judicial, nas palavras de Fredie Didier Jr.[1], “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”. Assim, o precedente é composto por duas partes, sendo a primeira as circunstâncias de fato, e a segunda a norma jurídica assentada na fundamentação da decisão.
Da segunda parte, quer seja o argumento jurídico, denominado como ratio decidendi, é de onde se extrai a força vinculante ou persuasiva do precedente, de modo a garantir sua eficácia obrigatória. A ratio decidendi, então, nada mais é que a tese jurídica usada para se decidir o caso concreto, de eficácia geral, podendo ser aplicada em outras situações concretas semelhantes[2].
Em outras palavras, o julgador constrói o raciocínio jurídico a partir de uma situação concreta, extraindo a norma a ser aplicada no caso (individual), que poderá servir como diretriz para toda demanda semelhante. Tem-se, por consequência, que o precedente tem aptidão para constituir efeitos de eficácia obrigatória (dentre os diversos efeitos jurídicos possíveis no direito brasileiro), de modo que a norma que o constitui é uma regra.
Não por acaso, então, que o precedente poderá ter força vinculante, de modo que, em situações análogas, supervenientes a sua formação, obriga os órgãos judiciais a adotar a mesma tese jurídica. O efeito vinculante, em razão de força incidental, decorre de expressa previsão legal (art. 927, do Código de Processo Civil), cabendo observância obrigatória aos juízes e tribunais, inclusive de ofício.
A dificuldade, então, recai em identificar a tese jurídica (ratio decidendi) em que se opera a força vinculante, a ser aplicada em outras situações semelhantes. Desse modo, somente teses com repercussão prática (verificada no caso concreto) poderão ter aptidão para ser universalizadas. A exemplo, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, em se tratando de ações monitórias fundadas em prova escrita, o cheque prescrito e o contrato de abertura de conta corrente (com histórico de evolução de dívida) podem embasar a ação, de modo que, a partir do caso concreto, se extraiu a norma vinculante.
A ratio decidendi, então, é encontrada na fundamentação da decisão, na leitura conjugada de três elementos decisórios, sendo elas (a) as circunstâncias fáticas relevantes, (b) a interpretação dada aos preceitos normativos, e (c) a conclusão a que se chega[3]. Assim, a tese jurídica parte da identificação dos fatos relevantes em que se assenta a causa, passando pelos motivos jurídicos, que conduzem paté a conclusão.
Os precedentes judiciais de natureza vinculante, portanto, possuem o condão de reger mais estabilidade e previsibilidade às decisões judiciais, efetivando o princípio da segurança jurídica, assegurado constitucionalmente. O objetivo, ao certo, é garantir que um entendimento estabelecido seja respeitado tanto no presente, como no futuro (dimensões temporais). Importante frisar, contudo, que um sistema robusto de precedentes permite ao indivíduo prever, concretamente, as consequências jurídicas de seu comportamento em determinado momento no tempo. Está-se a dizer, em outras palavras, que todo e qualquer particular pode planejar e calcular sua vida (em sentido jurídico), sem correr risco de ser surpreendido por uma nova interpretação do direito.
A segurança jurídica, então, relaciona-se intimamente com o direito à liberdade (em sentido amplo), pois se reconhece como sujeito livre aquele que pode fazer suas escolhas juridicamente orientadas, por critérios preestabelecidos, que lhe permitem tomar escolhas de acordo com o que está posto.
Com base nesses princípios, o respeito aos precedentes judiciais garante aos jurisdicionados a segurança de que a conduta, por ele praticada, não seja qualificada de modo distinto do que se vem entendendo os tribunais, o que enseja um modelo seguro de conduta (tais como planejamento tributário, planejamento sucessório, compra e venda, entre tantos outros), ao passo que permite reduzir o número de decisões divergentes aplicáveis a situações semelhantes.
[1] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 10. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.
[2] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 10. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.
[3] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 10. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.