O novo Código de Processo Civil, de 2015, inovou em recepcionar os princípios constitucionais como norte do processo civil no país, em todas as instâncias. Logo em seu art. 6º, entretanto, elenca o princípio da cooperação (ou colaboração) como modelo jurídico a ser seguido, dispondo que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”[1]. A partir da leitura do diploma, então, percebe-se que o princípio da cooperação se relaciona intrinsicamente com o princípio da duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, de modo que ambos, juntos, buscam efetivar a tutela jurisdicional em tempo razoável, e efetivo, nos tribunais brasileiros.

O princípio da cooperação, por conceito, compreende a “divisão do trabalho” entre todos agentes integrantes da relação processual (partes, advogados, juízes, defensores, procuradores, etc.), remetendo a um dever de auxílio para com o processo. Daniel Mitidiero[2] ensina que “a colaboração é um modelo que visa a organizar o papel das partes e do juiz na conformação do processo, estruturando-o como uma verdadeira comunidade de trabalho, em que se privilegia o trabalho processual em conjunto do juiz e das partes”, na promoção da igualdade ao longo de todo o processo civil, em tempo razoável.

Em decisão contemporânea à vigência do novo códice (Agravo de Instrumento Nº 70070228754, julgado em 28/07/2016)[3], o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul reconheceu o dever colaboração entre os sujeitos processuais para a razoável duração do processo, determinando a expedição de ofício, pelo juízo a quo, a órgãos e entidades com a finalidade de localização da parte adversa, sob pena de demasiada oneração ao autor. Nota-se, por oportuno, que tal ônus recai à parte que ingressa na via judicial, cabendo ao magistrado, neste caso, auxílio para efetivação do direito à ação em decorrência do princípio de cooperação ou colaboração.

De lá para cá, muito se tem percebido quanto à aplicação do princípio da cooperação nos tribunais, como se verifica, mais recentemente, em decisão emanada nos autos do Agravo de Instrumento nº 70083673970, julgado em 14/04/2020, no TJRS, que “embora seja ônus do exequente realizar diligências para localizar bens do devedor, as ferramentas à disposição do Poder Judiciário, como a CNIB, devem ser utilizadas”[4] para satisfação dos direitos pleiteados pelas partes, em atenção aos princípios da colaboração e da razoável duração do processo.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, justificando a aplicação do referido princípio em todas as instâncias judiciais, tem-se por certo que, através de decisão proferida no Agravo Interno nos EDv nos EAREsp 1099815/SP[5], datada de 17/12/2019, o princípio da cooperação permite a correção de irregularidades processuais, com a finalidade de promover o princípio da instrumentalidade das formas, e, como consequência, a razoável duração do processo. Em 17/09/2019, a Corte Superior reconheceu que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”[6], em decorrência do princípio da cooperação, tornando lícitas as consultas BACENJUD, RENAJUD e INFOJUD a fim de agilizar a satisfação de créditos da parte credora.

Como se percebe, a partir da análise dos julgados precedentes, o princípio da cooperação vem contribuindo para a efetivação do princípio constitucional da duração razoável do processo, cabendo ao juiz auxílio às partes para que alcancem o direito material postulado, como sujeito integrante do diálogo (e não apenas mero espectador, como no códice passado), sob pena de grave afronta ao processo constitucionalizado, nas palavras de Daniel Mitidiero:

[…] o não atendimento aos deveres de colaboração pode caracterizar inconstitucionalidade, por afronta ao direito fundamental ao processo justo, possibilidade de responsabilização civil do juiz e, no caso do dever de auxílio, imposição de multa à parte que frustra a chance de colaboração do juiz com a parte adversa[7].

Neste contexto, portanto, não se mostra justo e idôneo atribuir ônus demasiado oneroso às partes enquanto à disposição do Poder Judiciário, pois não raro, a exemplo, se aguardar anos até a efetiva citação do réu através de diligências próprias do autor, enquanto facilmente poder-se-ia ser encontrado através das consultas integradas. O mesmo raciocínio se extrai quando da satisfação do direito material pleiteado, na tentativa de encontrar bens do devedor consoante consultas aos sistemas disponíveis ao magistrado, e em diversos outros exemplos não objetos deste ensaio. Dessa forma, o princípio da cooperação se mostra de importante valia para agilidade processual e satisfação de direitos, como evidenciado nos julgados antecedentes, de modo que sua aplicação, acertadamente, não encontra resistência nos tribunais brasileiros, nem na doutrina, configurando nítido instrumento de efetivação do princípio constitucional da razoável duração do processo.


[1] BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm . Acesso em: 02 mai. 2020.

[2] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo civil. Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/2015.

[3] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70070228754. Agravante: Associação Educacional e Beneficente São Carlos. Agravado: Janaina Aparecida dos Santos da Luz. Relator: Des.ª Mylene Maria Michel. Porto Alegre/RS, 28 de julho de 2017. Disponível em: < https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia >. Acesso em: 30 abr. 2020.

[4] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70083673970. Agravante: Fundação de Credito Educativo – FUNDACRED. Agravado: Francisco Eduardo Rubesam Goulart. Relator: Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard. Porto Alegre/RS, 14 de abril de 2020. Disponível em: < https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia >. Acesso em: 30 abr. 2020.

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno nos Embargos de Declaração com Efeitos Infringentes em Recurso Especial nº 1099815/SP. Agravante: Autocam do Brasil Usinagem LTDA. Agravado: Fazenda do Estado de São Paulo. Relator: Min. Benedito Gonçalves. Brasília/DF, 17 de dezembro de 2019. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/ >. Acesso em: 1º mai. 2020.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1827340/RS. Recorrente: Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Recorrido: Claudio Ivan Correa Acosta. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília/DF, 17 de setembro de 2019.Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/ >. Acesso em: 1º mai. 2020.

[7] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo civil. Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/2015.

Escrito por

Rodrigo Becker Evangelho

Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA, especialista em Direito e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público - FMP, formado em Técnico em Informática pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, e graduando em Ciências Contábeis pela mesma instituição (UFSM).