O presente ensaio tem por objetivo apontar breves questões controvertidas sobre a estabilização dos efeitos da tutela antecipada de urgência, e não esgotar totalmente a temática.

O Código de Processo Civil, de 2015, inspirado no référé francês, inovou em trazer o instituto da estabilização da tutela de urgência satisfativa (antecipada) – arts. 303 e 304[1], sendo um marco para o direito processual brasileiro. A estabilização, aqui discutida, ocorre quando, concedida a tutela antecipada antecedente, o réu, litisconsorte ou assistente simples não apresentam resistência (recurso, pelo texto legal) ao direito do autor.

Como pressupostos, ab initio, tem-se que a tutela antecipada antecedente somente se estabilizará quando: (a) o autor tenha requerido a estabilização da tutela antecedente; (b) o autor não tenha manifestado, no pedido antecedente, desejo de dar prosseguimento no feito; (c) que a decisão quanto à tutela antecipada seja concessiva (positiva); e (d) a inércia do réu, litisconsorte ou assistente simples[2].

Quando ao primeiro pressuposto, tido como conduta positiva, tem-se que o autor deve manifestar, expressamente, seu desejo de estabilização dos efeitos da tutela antecipada, pois somente assim o réu poderá avaliar sua postura, quer seja de se manter inerte ou resistir ao direito do autor.

No segundo, reconhece-se como conduta negativa, de não expressar o desejo de prosseguimento do feito. Igualmente, a manifestação possui por serventia informar o réu acerca do desejo do autor e, a partir daí, escolher sua postura. Como se vê, os dois primeiros pressupostos não carregam maiores dúvidas, nem controversas.

Adiante, quanto ao terceiro pressuposto, por mais óbvio que pareça, começam-se a surgir as primeiras incertezas, haja a necessidade da concessão da tutela antecipada antecedente. Em um primeiro momento, de fácil interpretação, a concessão por juiz de primeiro grau, aliada aos demais pressupostos, está apta a estabilizar os efeitos da decisão.

O mesmo ocorre quando, negada na origem, concedida em sede de agravo de instrumento (unipessoal ou colegiada), desde que antes do aditamento da inicial, ou ainda quando concedida após a audiência de justificação prévia. A questão que surge, no ponto, é se da decisão de parcial concessão, de apenas um dos pedidos (obviamente, quando houver mais de um), haverá a estabilização. Para Fredie Didier Jr.[3], não há dúvidas que a decisão que concede a tutela antecipada antecedente a apenas um dos capítulos possui força de estabilização. No entanto, reconhece-se a estabilização dos efeitos apenas ao capítulo em que houve a concessão, prosseguindo a discussão quanto ao restante.

No último pressuposto, por oportuno, é que surgem as maiores discussões doutrinárias e jurisprudenciais, já que existem diversas correntes contraditórias, o que será objeto do presente ensaio, nas próximas linhas.

No art. 304[4], há expressa previsão que a estabilização dos efeitos somente ocorrerá se o réu “não interpor o respectivo recurso”, de onde se extraem duas correntes: (a) que somente o recurso cabível, via de regra, o agravo de instrumento, possui o condão de afastar a estabilização; e (b) que qualquer resistência, dentro do prazo recursal, é suficiente para tanto.

Os defensores da primeira corrente, como justificativa, valem-se da interpretação literal do respectivo diploma, pois, se o legislador assim positivou o termo (recurso), assim deve ser interpretado. Já para os defensores da segunda, através da interpretação sistemática do código, entendem que bastando a resistência, como na apresentação da contestação, obstada está a estabilização.

As duas correntes, como estudado em aula, já são encontradas em decisões do Superior Tribunal de Justiça, ensejando contradição dentro do próprio tribunal.

No entanto, a contestação, via de regra, é apresentada após a audiência de conciliação, que pode levar semanas, ou até meses, e contraria a natureza do instituto da estabilização (o art. 304 não exige que se espere tanto). Neste caso, não parece viável que mera irresignação ao direito do autor seja suficiente.

Situação diferente, como aponta Fredie Didier Jr.[5], é se, no prazo do recurso, o réu antecipa o protocolo de sua defesa (ato processual permitido). Neste caso, o referido autor reconhece o afastamento da inercia, e, por esta razão, o afastamento da estabilização, já que a prestação jurisdicional de mérito definitiva também é direito do réu.

Parece certo, também, que a interposição de recurso por assistente simples ou por litisconsorte afasta a estabilização, por aproveitar ao réu[6]. O mesmo ocorre se a citação/intimação for ficta (ex.: citação por edital), cabendo, por dever funcional, a defesa por curador especial, hoje exercida pelas Defensorias Públicas.

Por fim, há de se considerar a inercia parcial do réu, que recorre ou contesta (apenas na situação antes descrita) parte dos pedidos do autor. Neste caso, por congruência lógica, apenas o capítulo não impugnado é capaz de estabilizar-se, seguindo prosseguimento quanto ao resto.

Com efeito, o texto preconizado pelo novo Código de Processo Civil não é capaz de afastar, por si só, todas as dúvidas acerca da estabilização dos efeitos da tutela antecipada antecedente, fazendo-se necessário o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça quanto à matéria. Na espécie, ainda não temos decisão em sede de repercussão geral, a fim unificar o entendimento, existindo muito chão a percorrer até que a matéria esteja livre de contradições.


[1] BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 16 de março de 2015. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm . Acesso em: 13 dez. 2020.

[2] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10 e.d. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

[3] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10 e.d. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

[4] BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 16 de março de 2015. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm . Acesso em: 13 dez. 2020.

[5] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10 e.d. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

[6] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10 e.d. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

Escrito por

Rodrigo Becker Evangelho

Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA, especialista em Direito e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público - FMP, formado em Técnico em Informática pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, e graduando em Ciências Contábeis pela mesma instituição (UFSM).